21 junho, 2009

AS RELAÇÕES TÉCNICAS E SOCIAIS DO TRABALHO, EDUCAÇÃO, E A CONSEQUENTE TRANSFORMAÇÃO DO MUNDO

por, Lícia Dantas Hora

RESUMO

Este artigo tem como objetivo analisar sistemas de organização do trabalho a partir do final da Primeira Guerra Mundial, investigando e refletindo sobre estes modelos: primeiro, o Taylorismo, fundamentado na separação das funções de formar ideias e planejar, das funções de executar o trabalho; segundo, o Fordismo, depois dos anos de 1970, que separou, de forma inflexível, o ato de conceber, da ação do fazer – é a fragmentação do trabalho; terceiro, o Toyotismo ou Modelo Japonês, cuja organização da produção do trabalho alcançou grandes lucros após a Segunda Grande Guerra. Também versará sobre a Teoria do Capital Humano, já que, nesta conjuntura, a educação passa a ser vista como um modo de obter ganho; e por fim, as transformações ocorridas no mundo do trabalho e as consequências que afetam diretamente o homem e a natureza.

Palavras-chave: Trabalho; Educação; Organização do Trabalho; Gestão.


INTRODUÇÃO

A Revolução Industrial adquiriu novas características por volta do ano de 1860, estimulada pelos avanços da tecnologia; e, na busca por maiores lucros, as indústrias investiram ao extremo na força e especialização do trabalho. Neste contexto, e diante das mudanças ocorridas, foram surgindo os sistemas de organização de trabalho. Portanto, é imprescindível avaliar o desenrolar histórico do funcionamento dessas estruturas e promover estudos acerca desta problemática, visto que as consequentes transformações no mundo do trabalho, e, principalmente, suas tendências destrutivas, têm lesado a força produtiva do homem, bem como a relação deste com a natureza, a partir da sua própria produção.
O autor Antônio Tavares de Jesus, no livro O Pensamento e a Prática Escolar de Gramsci (1998), trata. entre outros temas, sobre as lutas operárias ocorridas no período de 1918 a 1926; dando-nos uma noção clara dos porquês, da expropriação da educação do operário na conjuntura capitalista; e de como a cultura e a organização é essencial para a vida e consciência plena do homem. Percebe-se, por um lado, as consequências da guerra e a intenção do governo em educar os jovens para o trabalho, e por outro, a busca pela consolidação do trabalho como uma base educativa.
É público que, apesar de todas as discussões e contribuições de educadores e intelectuais, os sistemas de organização do trabalho nunca visaram beneficiar e solucionar questões dos trabalhadores de forma desinteressada. Seja no Taylorismo, no Fordismo, Toyotismo, e mesmo nesta amálgama de organizações da contemporaneidade, as decisões sempre são postas como um jogo, cujas regras sempre foram e ainda são ditadas pela classe dominante.
Portanto, foi pensando na problemática tripartite, vida-trabalho-escola, que sentimos a necessidade de compreender criticamente os sistemas de organização do trabalho, enfocando o período dos anos de 1918, com o início do Taylorismo, aos dias atuais, com a flexibilização do trabalho e do trabalhador.


TAYLORISMO, FORDISMO, TOYOTISMO: AS RELAÇÕES ORGANIZACIONAIS DO TRABALHO, SUAS MANIFESTAÇÕES, CONSEQUÊNCIAS, E INFLUÊNCIAS NO CAMPO EDUCACIONAL.

O final da Primeira Grande Guerra (1914-1918) deixou a imagem de devastação, mortes, e grande prejuízo financeiro para os países envolvidos. Durante o conflito, o governo russo declara intenções de fortalecer a escola popular, com vistas à renovação do ensino profissional.
De fato que a ideia tinha o sentido de alcançar um efeito desejado, cujos objetivos escusos foram denunciados por Gramsci (1891-1937 apud JESUS, 1998, p. 60),

[...] que a causa principal daquela mudança repentina era tão somente a guerra que exigia mão-de-obra especializada para fabricar munições. O que o governo queria era usar os alunos do curso médio na indústria da guerra. Com objetivos tão excusos [sit] e prejudiciais à educação, indiferentes ao povo, procurou-se convencer à nação de que ir à oficina, levar a escola à fábrica era uma maneira de se educar o homem de modo mais completo.

A saber, antes da Guerra, em 1911, Taylor publicou sua obra “Os princípios da Administração”, dando início ao sistema de organização do trabalho conhecido como Taylorismo, cujos princípios básicos objetivavam, principalmente, a separação entre a concepção e o planejamento das tarefas executadas; a expropriação do saber do operário; e a alienação do trabalhador – a formação do operário dócil. Para tanto, o engenheiro americano dedicou-se aos estudos para melhor controlar o tempo e os movimentos durante a produção, estabelecendo práticas de divisão e rotinização das operações.
Implicações como a desqualificação do trabalho manual, redução da autonomia do operário, e maior controle social do capital, geraram formas de resistência; e fica clara a visão de uma sociedade que clama por mudanças, diante da força da produção das fábricas. Segundo escreveu Dewey (1936 apud MANACORDA, 2004, p. 319),

[...] Há alguns dias, aconteceu-me ler que mais da metade da população que hoje trabalha nas oficinas e nas fábricas está ocupada em indústrias que quarenta anos atrás nem existiam. Em outras palavras, no mundo da produção dos produtos e dos bens materiais, o progresso do conhecimento e da ciência revolucionaram – revolucionar não é um termo exagerado – a atividade voltada para o emprego da energia humana. Nesta situação, como podemos pensar em viver da herança, embora nobre e bela, cuja formação está baseada em uma outra época que poderíamos chamar de pré-científica e pré-industrial, a menos que transformemos intencionalmente esta tradição e esta herança à luz da realidade atual?

Por certo, era incessante a busca por novas adequações do homem ao tipo de trabalho de processo produtivo, de maneira que, do operário, fosse aproveitado todo o seu tempo e “dedicação”. De acordo com Cattani (1997, p. 248),

[...] O administrador expropria o máximo do saber operário, reordenando-o a fim de atender às necessidades de acumulação do capital. As iniciativas e o trabalho cerebral são banidos das oficinas e centrados na administração superior. Segundo Taylor, ‘os trabalhadores não são pagos para pensar, mas para executar’ [...].

Consequentemente, o trabalho repetitivo, fragmentado, alienante e sem significação, tornou enfadonha a vida do trabalhador, à proporção que dele foi retirada a autonomia e a sua capacidade de criar; de maneira que foi inevitável a transformação do homem trabalhador em operário-massa. E, a fim de obter uma mão-de-obra sólida, e que atendesse às exigências do processo produtivo e acúmulo de capital, certamente, a radicalização deste sistema de organização seria necessária. Segundo Marx (1890, traduzido por SANT’ANNA, 1985, p. 748-749),

[...] dentro do sistema capitalista, todos os métodos para elevar a produtividade do trabalho coletivo são aplicados às custas do trabalhador individual; todos os meios para desenvolver a produção redundam em meios de dominar e explorar o produtor, mutilam o trabalhador, reduzindo-o a um fragmento de ser humano, degradam-no à categoria de peça de máquina, destroem o conteúdo de seu trabalho transformado em tormento; tornam-lhe estranhas as potências intelectuais do processo de trabalho na medida em que a este se incorpora a ciência como fôrça independente, desfiguram as condições em que trabalha, submetem-no constantemente a um despotismo mesquinho e odioso, transformam tôdas as horas de sua vida em horas de trabalho e lançam sua mulher e seus filhos sob o rolo compressor do capital. Mas, todos os métodos para produzir mais valia são ao mesmo tempo métodos de acumular, e todo aumento da acumulação torna-se, reciprocamente, meio de desenvolver aquêles métodos. Infere-se daí que, na medida em que se acumula o capital, tem de piorar a situação do trabalhador, suba ou desça sua remuneração.

Com certeza, novas tecnologias influenciaram as mudanças, inclusive com a adição da esteira rolante para acelerar o processo de produção. Assim, no novo contexto fordista, o empresário age em busca do aumento da produção, da redução dos preços, elevação do consumo, bem como o consequente aumento das taxas de lucro; por outro lado, o trabalhador passa a atrelar suas qualificações à máquina – um trabalho fragmentado e submisso ao inflexível tempo da maquinaria.
No fordismo, o trabalho de concepção passa a ser privilegiado, bem pago e realizado fora da linha de montagem. Nota-se a existência de certa mobilidade, já em resposta às leis existentes, sobre o trabalho moderno dos metalúrgicos.

[...] uma relação especial de trabalho, (no qual) o empresário é obrigado a ministrar ou a fazer ministrar, na empresa, ao aprendiz ... o ensinamento necessário a fim de que possa adquirir a capacidade técnica para se tornar um operário qualificado, utilizando sua obra na mesma empresa (Lei nº 25, 19-1-1956, art. 2). (MANACORDA, 2004, p. 342).

Ao contrário da intencionalidade da Lei, seria inocência, ou mesmo tolice, pensar, que algo traria benefícios, apenas, para o trabalhador, visto que este aprendizado visava qualificar o trabalhador para a própria empresa. Vale ressaltar, segundo Manacorda (2004, p. 344) que,

[...] O valor de princípio dessa inovação é enorme, também porque se insere num contrato que, pela primeira vez na história da fábrica, considera unitariamente colarinhos-brancos e macacões-azuis, isto é, a pequena e média burguesia dos técnicos e dos funcionários e o proletariado dos operários. Esta consciência redescoberta da unidade de todos os proletários – operários, técnicos e empregados – é um grande passo à frente na história da consciência das classes, desde quando o termo ‘industrial’ juntara confusamente capitalistas e operários. Nesse quadro de unidade, todos são igualmente sujeitos ativos da própria educação. [...] mas se reconhece o direito ilimitado de elevar-se [...] ‘ a fim de melhorar a própria cultura’.

Posteriormente, nos anos de 1970, em razão do sucesso do Modelo Japonês, os modelos taylorista/fordista mudam as formas de produção. Então, para atender às novas demandas do mercado e vencer a concorrência, investe na microeletrônica, na flexibilização do equipamento, além de fazer uso de novas formas de políticas de gestão. Nesse sentido, as novas formas de produção demandariam um novo tipo de trabalhador: mais flexível e igualmente envolvido com a produção. (CATTANI, 1997, p. 92).
Surge uma nova situação-problema, porquanto, é óbvio, que independente do sistema, o alvo é o lucro; e sendo assim, o trabalhador sempre estará em segundo plano, agora numa casta de terceirização, onde o fiel empregado jamais será abandonado. Isto é, esta nova organização do trabalho oriental, conhecida como Toyotismo, tem seu sucesso garantido através de um novo paradigma de produção, fomentando a cooperação entre capital, gerências e empregados; respeito às sugestões do trabalhador; benefícios simbólicos; supressão dos desperdícios; os CCQs – Círculos de Controle de Qualidade; fluidez na comunicação, garantindo a organicidade e o conseqüente aproveitamento do tempo. Contudo, mesmo capacitados, desenvolvendo trabalhos em equipe, conquistando autonomia, entre outros benefícios, há alguns pontos de resultados contrários ao que se espera para o bem-estar da classe trabalhadora. De acordo Cattani (1997, p. 93),

[...] Nessa perspectiva, ressaltam-se aspectos negativos associados à produção flexível no que respeita a situação do trabalhador, ou seja, os altos índices de desemprego, o crescimento do trabalho em tempo parcial e do trabalho temporário ou subcontratado, a ausência ou ganhos modestos de salários reais e o enfraquecimento do poder de barganha dos sindicatos. Junto a isso são apontados: o rápido crescimento da economia informal mesmo em países industrialmente avançados; o retorno do trabalho doméstico familiar artesanal, que implicaria o ressurgimento de práticas mais atrasadas de exploração: o solapamento da organização dos trabalhadores.

Vale lembrar, no modelo japonês, o enfoque dado à produção, optando por transferir a terceiros as etapas secundárias daquilo que é produzido. Desta forma, a terceirização, a relação estável com clientes e fornecedores, e o uso das tecnologias de forma ampliada, levaram outros países a querer reproduzir este sistema. Todavia, um dos riscos citados em Cattani (1997, p. 159) é o de se tomar o exemplo japonês como “pacote” desejável e passível de “transferência” ou, inversamente, distante e sem validade prática para outras configurações produtivas e societárias.
De fato, este contexto que exprime a ordem de competitividade e qualidade total, passa a exigir investimentos na educação, e tem como propósito obter um trabalhador qualificado e empenhado, tanto com a manutenção dos interesses da empresa quanto com as transformações necessárias ao processo ininterrupto nos setores de produção.
Embora a Teoria do Capital Humano pregue a sentença do indivíduo emancipado, civilizado, qualificado, com acesso à cultura, e que pontue a educação como um investimento produtivo; esse mesmo cidadão ainda não se deu conta de que é o responsável direto pelo abandono da escola, a qual deveria atender toda a sociedade de maneira igualitária, e, ao contrário do que apenas deseja ou sonha, ele permite que o processo educativo passe a ser uma mercadoria, e como tal, deve comprá-la, por um maior ou menor valor; e sempre sustentando os interesses da classe dominante, de modo que, esse tipo de “raciocínio” destrutivo – da própria educação – serve como base para as principais mudanças no mundo do trabalho.
Inclusive, contrapondo-se ao aumento da interferência do Estado, a construção do neoliberalismo nos anos 1980-1990 deu nova vida à Teoria do Capital Humano, investindo, mesmo de forma remota na autoformação do trabalhador, que quer garantir seu bem-estar social e espaço de trabalho – e isso alimenta cada vez mais a concorrência, dos trabalhadores e das empresas. Para Antunes (2001, p. 18), quanto mais aumentam a competitividade e a concorrência intercapitais, interempresas e interpotências políticas do capital, mais nefastas são suas consequências.
Pode-se citar aqui a incivilidade a que foi submetido o homem e a sua força de trabalho, bem como a transformação deste mesmo indivíduo em consumidor – aquele que tornará concreta a era do descartável. E pior, pois esta mercadoria que produzimos, consumimos e descartamos, é lançada por nós – homens civilizados – no meio ambiente, contribuindo com a destruição da natureza, da nossa própria vitalidade, e, ao mesmo tempo, colaborando para a sucessão de reprodução do capital. Também, como as mercadorias, as pessoas também se tornaram produtos descartáveis. Conforme Antunes (2001, p. 19), essa é a lógica ‘inexorável’ da modernidade.
Com efeito, o modelo neoliberal tem por objetivo uma nova adaptação no perfil do trabalhador, pois a hegemonia do capital financeiro rege as diretrizes nas novas formas de trabalho, às quais exigem, a cada dia, novas qualificações. Por sua vez, o caminho a ser percorrido é desanimador, a começar pela quantidade crescente de pessoas desempregadas, aumentando a competitividade; empregos sem estabilidade; subcontratações; entre outros fatores que animam a informalidade no mercado de trabalho.

[...] Nesse sentido – e sem nenhum mérito -, o Brasil tem muito a ensinar aos países desenvolvidos em termos das chamadas novas habilidades/qualificações. Isto porque o núcleo da flexibilização do trabalho é exatamente a perda de uma condição estável com direitos e garantias sociais, é a perda de vínculos, onde o indivíduo é tudo e o coletivo perde sentido. Daí a valorização dos traços de personalidade e de caráter de cada um, onde a qualificação maior está na capacidade de enfrentar desafios e incertezas e não mais no conhecimento do ofício e na socialização do trabalho. (DRUCK, 2001, p. 88).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pudera a questão da empregabilidade depender apenas da qualificação dos trabalhadores, mas o desemprego no Brasil é uma realidade, e há uma fila enorme de pessoas qualificadas esperando por uma chance. Quando empregado, é preciso ser criativo, flexível, adaptar-se às demandas do mercado, pois, a ideia de competência é o que vai comprovar a qualificação. Logo, somente através do tempo de trabalho é que o trabalhador poderá demonstrar sua criatividade, responsabilidade, agilidade, etc. Faz-se necessário, então, analisar todo este contexto histórico dos sistemas de organização, para compreender o crescente processo de degradação do trabalho, e o porquê da busca incessante pelo aprimoramento profissional, atualização constante do conhecimento e das tecnologias.
Esse discurso tem se ampliado no ambiente das escolas, das empresas, entre profissionais, e, principalmente por aqueles que desejam ser inseridos no mercado de trabalho. Percebe-se, então, no desenrolar deste artigo, tanto a necessidade de produção e competitividade das empresas quanto dos indivíduos, e, pensando assim, é necessário cuidado ao pensar o que somos – homem ou máquina?
Logo, chega-se à conclusão de que é urgente a discussão sobre todos esses pontos de organização, gestão e ética do homem no trabalho, e, principalmente na vida. É necessária a (re)educação e a (re)socialização, para que não nos tornemos um mero produto descartável, jogado no ambiente que criamos e aos olhos daqueles que educamos, de maneira equivocada, para aceitar plenamente a imposição capitalista.


REFERÊNCIAS

ANTUNES, R. As metamorfoses do mundo do trabalho. In: O trabalho no século XXI. São Paulo: Anita Garibaldi, 2001.

CATTANI, A. D. Taylorismo. In: Trabalho e Tecnologia: Dicionário Crítico. Porto Alegre: Vozes, 1997.

_________. Capital Humano. In: Trabalho e Tecnologia: Dicionário Crítico. Porto Alegre: Vozes, 1997.

DRUCK, G. Qualificação, empregabilidade e competência: mitos versus realidade. In: O Trabalho no século XXI. São Paulo: Anita Garibaldi, 2001.

JESUS, A. T. DE. O Pensamento e a Prática Escolar de Gramsci. Campinas-SP: Autores Associados, 1998.

LARANGEIRA, S. M. G. Fordismo e Pós-fordismo. In: Trabalho e Tecnologia: Dicionário Crítico. Porto Alegre: Vozes, 1997.

MANACORDA, M. A. História da Educação. 11 ed. Tradução de Gaetano Lo Monaco. São Paulo: Cortez, 2004.

MARX, K. O Capital: crítica da economia política. 10 ed. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. Livro 1, v. 2. São Paulo, 1985.

XAVIER SOBRINHO, G. G. de F. Modelo Japonês. In: Trabalho e Tecnologia: Dicionário Crítico. Petrópolis: Vozes, 1997.


[1] Este artigo foi produzido na disciplina Trabalho e Educação, ano 2009/1, sob a orientação da Profa. Dra. Ana Maria Freitas Teixeira, no Curso de Pedagogia Noturno da Universidade Federal de Sergipe.
[2] Aluna do 9º período do Curso de Pedagogia. Contato: liciadantas@superig.com.br